Cada Escavadela, Uma Minhoca

 

 

 

 

 

 

 

Publicado na revista Chicote, #1, Outubro 2010

 

“Estilhaços” é o título português de um filme de Susan Seidelman dos anos 80. Smithereens era indie, era um retrato urbano ao jeito do underground nova-iorquino e, last but not least, introduzia a jovem Madonna num famoso cameo. Lembrei-me do filme quando pensava na crónica que brindarei aos leitores da Chicote. Acabando já aqui os anglicismos (e vai ser difícil!), pareceu-me que os estilhaços eram um bom contraponto ao estalar do chicote prometido na revista.

Como já disse no meu blogue, os estilhaços são a versão actual do fragmento literário clássico, mas em versão beligerante. Com a “crise da leitura” sobra-nos o que se pode ler numa visita rápida àquele sítio – ou o que responde ao limite de atenção de 20 minutos que a televisão nos inscreveu no código genético. O resto é Dan Brown e, de preferência, em época estival.

Deve ser por isto que os blogues cresceram e o papel está condenado à electrónica. E no ecrã, 20 minutos é mesmo o limite, antes da tentação da janela ou da hiper-ligação seguintes. (Eu vou conseguir!).

Mas, enfim, com a internet até lemos mais do que líamos antes. E é por isso que recentemente se perguntava na nossa praça – ou, mais bem dito, nos nossos fóruns electrónicos – se a crítica de arquitectura não teria pedido transferência vitalícia para a blogosfera. Porque a crítica de arquitectura, e a reflexão sobre a realidade urbana que lhe é subjacente, desapareceu há muito tempo dos outros media portugueses…

A última vez que eu li “crítica de arquitectura” num jornal português foi no Público. Foi pouco depois da brilhante ideia de atribuir estrelinhas aos edifícios, como nos filmes. Como os críticos só tinham 5 estrelas para dar a conhecidos, depois de umas quantas escolhas, esvaziou-se a necessidade de manter a secção.

As revistas da especialidade, por seu lado, estão presas a compromissos comerciais e à oferta dos seus conteúdos pelos arquitectos. Discurso crítico? É melhor não ir por aí. O meio é de melindres e ainda se pode chatear alguém… As imagens lustrosas, como a pornografia, vendem sempre e melhor – até em tempos de austeridade.

Assim se percebe porque a construção das nossas cidades prossiga indolente  sem qualquer debate – a não ser que o Miguel Sousa Tavares acorde virado para o lado errado… Assim se percebe também que o franchise português da Associação Internacional dos Críticos de Arte tenha atribuído o seu recém-criado “Prémio da Crítica” ao enésimo documentário laudatório… sobre a obra de Siza Vieira.

Em compensação, houve o cuidado de dar um presente envenenado a um arquitecto que adoptou o projecto de crítica como parte da sua carreira. Lição possível? Quem se dedica à reflexão crítica, à teoria, aos livros e quejandos, não deve esperar mais que uma secundária menção honrosa para a “dimensão quantitativa e qualitativa da sua produção variada e de múltiplo alcance.” Fomos sempre filisteus e não queremos mudar.

Não é de somenos referir que o presidente do júri da referida dependência da AICA, Manuel Graça Dias (MGD), já percebeu há muito que o poder mediático é muito mais frutuoso do que qualquer projecto crítico.

MGD é conhecido da televisão, é colunista do Expresso e é também o actual e reincidente director do Jornal dos Arquitectos, a revista oficial da Ordem dos Arquitectos. Este cargo ocupou-o três anos após se ter decidido que devia haver rotatividade democrática… no cargo que MGD ocupava há sete anos.

Dito isto, já percebem porque é que não há crítica de arquitectura e cidade em Portugal. O que nós precisamos é de umas lascas para animar a malta.

 

3 responses to “Cada Escavadela, Uma Minhoca

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  2. Nao só nao ha critica como até se enchovalham aqueles que a bem dizer tentam trazer algo de novo à pasmaceira nacional. E os que antes avidamente criticavam, agora já nao criticam, já nao acham necessário, subiram já ao seu pedestral e preferem o conforto da indiferença..
    Gostei bastante do teu artigo Pedro, pode ser que aguçe o olhar crítico de outros leitores, ou entao nao!

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