Parar de Construir, ou o Regresso à Cidade

Agora que o tema da requalificação urbana chegou à ordem do dia, vale a pena perguntar que esperamos dos actores privilegiados da reconstrução das cidades. Será que os arquitectos vão “regressar” à cidade?

Há pouco tempo, muitos arquitectos não se incomodariam a reconstruir no centro do Porto ou de Lisboa. O processo seria moroso e estupidificante. ……….. A sujeição a uma corrupção mesquinha, declarada e acatada –ou o arrastamento do licenciamento de forma economicamente insustentável– era inevitável.

Por entre a selvajaria dos planos directores existentes e por entre a necessidade de crescer do próprio país, a construção em território virgem, fora dos centros históricos, era muito mais convidativa e gratificante.

Durante anos, assistimos assim à construção-destruição do território português numa fase prolongada de pressão urbanística, crescimento desregulado e corrupção q.b…

Será que estas condições estão prestes a mudar?

A Câmara Municipal de Lisboa, por exemplo, anunciou desejar acelerar o licenciamento das obras. Uma óptima aspiração. Porém, ao anunciar que aprovou 40 projectos para a Baixa de Lisboa, o vereador do urbanismo esqueceu–se de fazer notar que esse é apenas o seu trabalho.

Tal como se espera dos arquitectos que estes façam coisas interessantes – e que se responsabilizem por elas perante a sociedade –, das instituições espera-se apenas que, a bem do progresso económico, social e estético, aprovem sem delongas os projectos que mostram competência perante as exigências do nosso tempo. Porém, para se dar tal desentorpecimento burocrático, é preciso que se alterem mentalidades e atitudes.

É urgente dar luz verde à regeneração de centros históricos em esvaziamento populacional, sim, mas por oposição aos pequenos interesses instalados, às economias paralelas, aos grupos do costume. E é preciso perceber que esta é já uma necessidade de emergência.

Alguém, algures, terá que pensar: “Estamos a dar tiros no pé há 35 anos consecutivos. Se queremos sobreviver à crise, está na hora de mudar a nossa maneira de pensar. Está na hora de repensar a economia da construção das nossas cidades.”

E é aqui que entra o papel dos arquitectos e do seu regresso à cidade.

Os arquitectos não podem regressar à cidade apenas para legitimar mais-valias simbólico-económicas de um produto comercial – como os construtores da cidade depressa reconheceram e aproveitaram. Têm que garantir mais do que serviço técnico e/ou assinatura. Têm que oferecer responsabilidade social.

Por isso, os arquitectos também têm que mudar de atitude: ganhar humildade e, ao mesmo tempo, bater o pé. Em detrimento dos nossos bolsos, mas em nome da sobrevivência de todos, está na hora de os arquitectos afirmarem perante a sociedade que é preciso parar de construir.

Este é o momento em que devemos atribuir mais importância às recuperações, às remodelações, às renovações, às reconstruções, às reabilitações, aos redesenhos e reutilizações dos espaços que as cidades portuguesas ainda têm ao seu dispor.

A arquitectura deve resultar, cada vez mais, do aproveitamento, da alteração, da transformação,  do peeling e do lifting de estruturas já existentes na cidade. Os arquitectos devem dedicar-se à reciclagem.

Há poucos anos atrás, apenas o ex-novo, a construção de raiz, eram glorificados com o lustro das publicações sérias. As intervenções de reciclagem eram considerados exercícios menores, próximas do interiorismo, não-arquitectura. Mas isso era antes do credit crunch e da consciência alargada de um progressivo esgotamento de recursos.

Mais que preocupar-se com os vazios urbanos, os arquitectos devem preocupar-se com os cheios-vazios dos armazéns e das casas abandonadas ao lume brando da especulação e da ruína. Devem parar de tecer apenas o elogio do ex-novo e lidar com o que existe. Devem valorizar a ideia de reconstrução. Devem preparar-nos para o cenário próximo em que toda a construção ex-novo, i.e. em terreno virgem, deverá ser proibida.

No fundo, quando falamos de sustentabilidade, é disto que falamos. ………………. O resto são balelas.

Versão curta do texto integral publicado no livro Living City/Habitar a Cidade, editado por José Manuel das Neves na editora Blau, Lisboa, 2009.

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