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Futuro Desigual, Destino Equivalente

Enquanto Uneven Growth, Tactical Urbanisms for Expanding Megacities parece lentamente tornar-se realidade – pelo menos do ponto de vista mediático – lembrei-me de publicar aqui a versão original e completa do “white paper” onde germinaram muitas das ideias por detrás da exposição que agora se anuncia para o MoMA, em Novembro de 2014.

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Merece-me comemorar aqui o facto de a tradução portuguesa deste ensaio, que em 2011 viu a luz do dia numa publicação académica da Universidade de Gent com o curioso título de Tickle your Catastrophe, estar para breve.

Pelo menos é o que me diz um desses corajosos editores que, no meio da pantanosa crise portuguesa, ainda insiste em fazer alguma coisa.

Esta publicação junta-se assim a algumas outras, como os catálogos da conferência Once Upon a Place ou da exposição Performance Architecture, que nos últimos tempos aparecem muito a custo, a culminar os últimos projectos que levei a cabo em Portugal.

Lembrando-me desses projectos, ocorre-me quão incrível é que, em Portugal, ainda sobre gente* como a Susana – a figura tenaz por detrás da conferência sobre arquitectura e ficção, que, a propósito, tem agora a sua segunda edição já noutras paragens, infelizmente em versão um pouco mais boring.

Ainda há portugueses que, a partir do seu lugar, resistem a essa mistura de ódio entranhado e inveja encapotada pelos que querem fazer alguma coisa, que infelizmente ainda singra na sociedade portuguesa – mesmo quando a austeridade deveria sugerir maior solidariedade.

No momento em que, por outro lado, a solidariedade de gala começa, por incipiente e bacoca que seja, a substituir o Estado na manutenção do que tínhamos adquirido por básico, torna-se mais ou menos claro que estamos a bater no fundo. (Na Europa e no mundo, os outros também se estão a afundar, apenas ainda não o reconheceram.)

Talvez devêssemos começar a mostrar mais do nosso típico respeitinho por aqueles que ainda se dão ao trabalho de querer fazer – em vez de, também eles, sejam empreendedores, políticos ou agentes culturais, se dedicarem à tarefa bem mais fácil de ir para a praia

Diria com algum grau de certeza que, se há gente que ajuda a manter qualquer coisa à tona, essa é precisamente feita dos que gostam de “fazer” malgré tout.

Para dar algum alento aos que persistem, devo dizer que, como todos os projectos com alguma ambição, também Uneven Growth teve uma gestação longa e difícil – o que, de resto, continua a ser verdade mesmo após o lançamento público bem sucedido da exposição e do primeiro workshop do projecto no MoMA PS1 há duas semanas atrás.

Cohstra@MoMAPS1MoMAPS1, do modo que agora encontramos as nossas imagens… via Twiter.

Por vezes, ocorre-me que a razão essencial porque o destino me trouxe a uma instituição como o MoMA tem precisamente a ver com a necessidade inata, ou a profunda carolice, de querer levar este projecto a bom porto. (Embora, obviamente, não devesse falar antes de tempo.)

Aqui e ali e acolá e outra vez aqui, ainda sob a designação de Emergent Megalopolis, podem ainda ler-se os restos arqueológicos de um conceito nascido numa visita a Saigão há mais de dez anos atrás – num tempo da minha vida em que ainda era possível decidir, de um momento para o outro, que ia viajar durante um mês no Sudoeste Asiático.

Em Saigão, sob o efeito da percepção aguda que as viagens proporcionam, tive uma experiência decisiva e transformadora: atravessar a rua numa realidade urbana que me era inteiramente nova.

Saigon-ViaWithoutBaggageAs ruas de Saigão, a.k.a. Ho Chi Min City, via Without Baggage.

Quando se atravessa a rua em Saigão, o acto tem que ser negociado de uma forma diferente do habitual. Numa cidade sem semáforos e com milhões de scooters (como agora vim a reencontrar em Taipei) a primeira coisa que nos ensinam é que, para atravessar os antigos boulevards carregados de um fluxo de trânsito incessante, também os transeuntes não podem parar.

Quando se atravessa a rua em Saigão, temos que nos munir de coragem e avançar sempre ao mesmo passo por entre a corrente compacta de tráfego. E temos que olhar nos olhos todos aqueles que avançam para nós, para perceber se vão passar à nossa frente, ou atrás de nós.

Foi nesse momento da negociação do olhar com milhares de jovens asiáticos que nasceu a inspiração de que, mais cedo do que mais tarde, teríamos que imaginar novos modos de responder ao crescimento do urbano no século XXI.

Tal como, no inicio do séc. XX, Georg Simmel alertou para a emergência de uma nova consciência metropolitana, agora devemos preparar-nos para o estado de emergência da urbanização completa de um planeta em que os recursos, ao contrário da população, não estão propriamente a crescer de dia para dia.

E por isso vale a pena sublinhar que, depois de querer ter sido programa de televisão e documentário experimental multi-episódios, e para além do desejo de mapear de novas formas de prática arquitectónica, ou a vontade de perceber como substituir estratégias de planeamento obsoletas, este projecto é agora, apenas e só, uma investigação sobre como arquitectos e outros actores urbanos podem vir a lidar com a desigualdade e o empobrecimento progressivo de uma sociedade cada vez mais intrinsecamente global.