3 Estórias do Ó

Publicado in Jornal dos Arquitectos # 233, Oct/Dec 2008

……………………………………………………………………………………………….. Uma história lúbrica da arquitectura

Por entre as moralizações cada vez mais hipócritas em torno das funções e dos atributos da arquitectura, a ideia de que o prazer se possa inscrever na produção arquitectónica parece ter sido definitivamente remetida ao estatuto de um tabu.

A disciplina arquitectónica gosta principalmente de se assumir como conservadora e castradora e, assim, a ideia de prazer – erotizado ou não – é cuidadosamente excluída das suas austeras e públicas fachadas.

Foram escassos os momentos em que a erupção erótica conseguiu aflorar à pele de propostas arquitectónicas historicamente documentadas – e mesmo então os projectos raramente chegaram à fase da erecção.

Tais excitações cresceram, de resto, em momentos revolucionários em que a provocação era permitida e fazia parte da ordem do dia. Nas arquitecturas menos reveladas de Boullée ou dos Superstudio – entre poucos outros – deslumbraram-se as raras correspondências à libertinagem pós-barroca ou à revolução sexual que os respectivos momentos históricos acolheram. E as reportagens fotográficas de Carlo Mollino, com a sua associação libidinosa de interiores voluptuosos às curvas das ninfas desnudadas do imaginário erótico dos anos 50, apenas encontraram eco recente na irónica Pin-Up, não por acaso a única revista contemporânea de arquitectura que se pode apelidar de desinibida.

Será que, em plena liberação do jugo fascista, o SAAL produziu, à la Pasolini, o seu próprio discurso subterrâneo de resistência  – feito de secretos desenhos eróticos e de discretos aliciamentos à lascívia da imaginação? Se tal aconteceu, desconhecem-se as provas de uma tão vigorosa efervescência revolucionária.

…………………………………………………………………………………………………………………. Regresso a Bataille

Entretanto, no jardim à beira-mar plantado exauriram-se os ímpetos rebeldes e murchou a vontade de nos entregarmos à luxúria dispendiosa da verdadeira exploração espacial. Parece ter sobrado pouco que proporcione o foreplay, a apropriação sensual da arquitectura.

É certo, porém, que, na sua exibição despudorada e ampliada do pormenor, na sua manifesta tendência para a masturbação autoral, no seu incontornável pendor para um onanismo minimal-repetitivo, quase toda a arquitectura portuguesa – mesmo a mais aparentemente casta e protestante – se tornou pornográfica no sentido mais escasso e menos erótico do termo.

Através da substituição do princípio do prazer pela magnificação ad nauseum de evidências construtivas destituídas de qualquer sex-appeal, a nossa arquitectura progride satisfeita consigo própria e com a sua falsa e escatológica rectidão.

Como dizia a outra, o que distingue o erotismo da pornografia é a iluminação. No fundo, depois de um certo iluminismo, é o vazio que se revela pornográfico.

…………………………………………………………………………………………………………………. Do desejo reprimido

A sensação de vazio, a crueza da pornografia, reinstala o desejo da revolução.

Uma vez apercebida e desvelada esta perspectiva freudiana – que os guardiões da moral disciplinar rapidamente se apressarão a repudiar – resta procurar uma saída para o torpor morno que a realidade pós-orgasmo inevitavelmente induz.

Resta, pois, procurarmos a pedrada no charco e os impulsos eróticos mais radicais. Resta, então, procurar surpreender-nos com a coragem impetuosa da excepção à regra; com o regresso pontual do ímpeto utópico; com o desejo expresso do investimento simbólico numa outra forma de tensão libidinal; enfim, com o preenchimento do vazio com propostas que, na sua aparência de mera provocação, escondem em boa verdade uma vontade indómita de pegar na vaca sagrada pelos cornos.

Deste modo, o que interessa destacar numa mui curiosa proposta para a 1ª Trienal de Arquitectura de Lisboa, não é tanto a penetração do vazio urbano pontual através da pujança orgânica de uma forma arquitectónica convidativa, nem tão pouco o preenchimento do vazio psicológico geral com uma materialidade que despudoradamente evoca os innuendos de uma política sexual escamoteada. O que interessa sublinhar aqui é que o excesso e a entrega à metáfora erótica de um projecto dedicado à indústria do sexo permite aos seus autores um certo retorno do reprimido.

Desponta, assim, a possibilidade de exibir uma dimensão crítica e política como principal atributo de uma proposta arquitectónica que, para além de afirmação dos seus aspectos formais, se assume também, e principalmente, como sociologiquementchargée.

………..Cartaz de LXXX, Pólo Urbano dedicado à Cultura Porno-Erótica ……….. André Faria, Carlos Lobão, Sara Natária, arquitectos, Ana Lopes, antropóloga.

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