Será que secretamente aspiramos apenas por um verão infindável? Talvez. Imaginem um clima constante, moderadamente quente, no qual a energia do sol, das ondas e do vento foi domesticada e é agora o objeto de um deleite sem fim. Esqueçam os desportos de inverno ou o inferno no Camboja. Imaginem todo um continente modelado sobre um permanente sonho californiano. Ignorem os incêndios florestais descontrolados ou o aumento das populações sem-abrigo. Imaginem o renascimento tropical do Sul da Europa, e a cada vez melhor qualidade de vida de uma Europa do Norte desprovida de inverno. Ignorem a seca severa à porta das cidades invadidas por turistas, ou umas quantas tempestades loucas como as que as Caraíbas costumavam ter. Visualizem hambúrgueres a crepitar para sempre, servidos numa costa luxuriante constantemente renovada ao estilo de J. G. Ballard. Esqueçam o que foi uma vez a Holanda, ou as turbinas eólicas sobre os murosoffshoreque mantêm os refugiados climáticos à distância. Vislumbrem as férias perpétuas providenciadas pela inteligência artificial e uns quantos toques colossais de geoengenharia. Desconsiderem as consequências inesperadas de mais intromissões na superfície do planeta. Idealizem um verão infindável, prazenteiro, totalmente funcional e ancorado na «Internet das Coisas». Não pensem no facto de esse se destinar a apenas meia-dúzia de nós. Umas vezes, ganha-se; outras vezes, perde-se. Quem nos pode culpar por secretamente desejarmos um verão infindável, assegurado pela tecnologia e devidamente mantido por uma economia corporativa omnipresente?
O verão infindável, ou endless summer, é um filme seminal sobre surf. É uma compilação de 1994 de Donna Summer. É um tomate geneticamente modificado. São 2 940 milhões de resultadosno YouTube. É um episódio de 2005 de SpongeBob SquarePants sobre os efeitos do aquecimento global[1] – fazendo-nos notar como o inconsciente das crianças e dos adolescentes é hoje alimentado sobre os assuntos mais através de séries de televisão e franchises cinematográficos. Pense-se emWALL·E, da Pixar, para os efeitos do hiperconsumo, do desperdício, da poluição, da sexta extinção, e de um verão infindável em busca de um novo planeta para habitar.
Mais significativo, todavia, é o facto de «The Endless Summer» ser também um dos primeiros ensaios de circulação generalista sobre o efeito de estufa, publicado há 30 anos na revista Discover[2]. O que se passou desde que James Hansen, da NASA, alertou, pela primeira vez, o Senado norte-americano sobre o aquecimento global? A terminologia evoluiu, e agora sentimos os múltiplos e tórridos efeitos das alteraçõesclimáticas.
Apesar disso, há uma corrente crescente de negação dessas alterações climáticas. Em março de 2017, o Politico anunciou, no seu website, que o Departamento de Energia do presidente-por-Twitter Donald Trump tinha proibido a utilização do termo[3]. O apresentador de um talk showsugeriu rapidamente que, em alternativa, se usasse a expressão «verão infindável». Talvez assim desaparecessem os factos incómodos.
Uma das maiores dificuldades em enfrentar as alterações climáticas, assinalada por cientistas, filósofos e outros, reside na capacidade de comunicar eficazmente estes fenómenos e seus efeitos a um público não-especializado. A informação está disponível. O tema tem sido amplamente abordado pelos meios de comunicação social. Na verdade, as pessoas são bombardeadas, a um ritmo diário, com provas parciais das alterações climáticas. E, no entanto, parece que as alterações climáticas e as suas tão disseminadas consequências ecológicas não ficam registadas na cabeça das pessoas.
Quando eu próprio estava a pesquisar este tema, no verão passado, dei-me conta da minha ignorância – para logo a seguir me aperceber de que já me tinha deparado com a maior parte da informação, mas prontamente a esquecera. Ao longo dos anos, li sobre os efeitos de estufa e do consumo de combustíveis fósseis, sobre a extinção de muitas espécies, sobre as perturbações meteorológicas, sobre a acidificação dos oceanos, sobre formas extremas de poluição e sobre o envenenamento do ambiente.
Naturalmente, já tinha lido sobre toda a série de impactos catastróficos da atividade humana na superfície do planeta, agora agregados sob o rótulo geológico da moda, o «Antropoceno». Porém, como quase toda a gente, deparei-me com estes fenómenos na forma de fragmentos espalhados por diversos artigos e notícias. Nunca me havia confrontado com essas provas isoladas – e as reflexões tecidas sobre elas – enquanto parte de um fenómeno único, gigantesco e generalizado. Como toda gente, por causa dessa dispersão – e por causa de uma necessidade psicológica, demasiado humana, de adiar os indícios de um desastre iminente – tendia a desconsiderar a dimensão mais negra deste assunto.
A noção de Eco-Visionários enquanto projeto de curadoria envolvendo vários parceiros surgiu precisamente como uma tentativa de abordar toda a diversidade de assuntos em torno das atuais transformações ecológicas globais – algo a fazer de modo mais complexo e abrangente, mas também guiado pela necessidade de chegar a um público mais abrangente.
As práticas artísticas, arquitetónicas e dos novos media têm mostrado uma crescente reflexão sobre as diferentes dimensões e consequências das transformações planetárias causadas pelos humanos. No entanto, a manifestação deste interesse no domínio expositivo tem sido tematicamente estreita e, uma vez mais, de natureza fragmentária. A publicação colaborativa que acompanhou as exposições autónomas apresentadas no espaço de um ano no MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, no Bildmuseet, na HeK – Haus der Elektronischen Künste, e no LABoral – Centro de Arte y Creación Industrial, oferecem antes uma visão ampla e atualizada graças à justaposição de quatro diferentes perspetivas curatoriais.
Dessa forma, idealizámos unir os pontos de vista que têm surgido na arte ecológica às pesquisas arquitetónicas sobre a exaustão dos recursos ou às adaptações imaginadas por designers para novas realidades, mas também ao facto de os artistas de novos media explorarem a big data para oferecer as tão necessárias perspetivas críticas sobre o periclitante ecossistema do planeta.
Juntamente com novos ensaios publicados, os exemplos da multiplicidade de pontos de vista reunidos em Eco-Visionários oferecem-nos um panorama mais abrangente dos aspetos crescentes e inter-relacionados das alterações climáticas e ecológicas que hoje nos afetam.
O projeto partiu da premissa otimista de que precisamos de visões alternativas do futuro se, de facto, quisermos enfrentar tais alterações. As nossas pesquisas viriam a revelar panoramas muito mais pessimistas e a necessidade de acolher visões críticas capazes de pôr a descoberto o que muitas vezes permanece invisível. Como Linda Weintraub revela aqui, ao examinar a história dos pioneiros da eco-arte, esta dualidade é uma realidade desde a década de 1960.
Porém, não será seguramente coincidência que, mesmo não sendo designados «ecologistas», cada vez mais artistas e arquitetos sintam a necessidade de partilhar as suas pesquisas sobre as questões avassaladoras das alterações ecológicas.
Porquê? Como escreveu um colunista de The New York Times, em 2012: «O clima alterou-se, e as únicas questões em aberto podem bem ser: a) até que ponto se vai agravar a situação?, e b) quanto tempo passará até acordarmos para ela?»[4] Talvez tenha finalmente chegado a hora de mais pessoas despertarem para o problema. Talvez se trate, afinal, de uma questão de sobrevivência que mais pessoas assimilem, recordem e reajam aos múltiplos impactos do verão infindável em que estamos a entrar.
Lisboa, Março de 2018
[1] Não será por mero acaso que o criador da série SpongeBob SquarePants, Stephen Hillenburg, é biólogo marinho.
[2] Tal como anunciado na Discover, a propósito de uma declaração histórica de 23 de junho de 1988, «James Hansen, do Goddard Institute for Space Studies, da NASA, depôs perante uma comissão do Senado, declarando poder afirmar com «99 % de certeza” que estava a verificar-se um aumento recente e contínuo da temperatura global, o que há muito era expectável».Andrew C. Revkin, «Special Report: Endless Summer – Living With the Greenhouse EffectWaukesha», in Discover, Waukesha,WI:Kalmbach Publishing Co., 23 jun., 2008. [Disponível em http://discovermagazine.com/1988/oct/23-special-report-endless-summer-living-with-the-greenhouse-effect%5D.
[3] Vd.: Eric Wolff, «Energy Department climate office bans use of phrase “climate change”», in Politico [website, U.S. Edition], Arlington, VA: Capitol News Company, 29 mar., 2017. [Disponível em https://www.politico.com/story/2017/03/energy-department-climate-change-phrases-banned-236655%5D.
[4] Como Mark Bittman concluiu, na altura, «as únicas pessoas sãs que não encaram isto como um problema são aquelas cujos lucros dependem do statu quo». Mark Bittman, «The Endless Summer», in The New York Times, New York: The New York Times Company, 18 jul., 2012. [Disponível em https://opinionator.blogs.nytimes.com/2012/07/18/the-endless-summer/%5D.