On Not Writing / Sobre Não Escrever

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If I’m on a confessional mood I will sometimes tell you that the practice that underlies all my other practices is writing. For biographical reasons, the practice of writing – a thorough, disciplined practice complete with reading extensively about writing itself – came to me before architecture, curating, or even architectural writing. So, when I’m doing architecture, there is a literary, narrative vein that inevitably emerges from and within the design. If I’m curating, I tend to consider that the whole endeavor of researching and organizing a theme is but a preparation for writing a curatorial essay that will represent my findings and conclusions on the given subject. And if I’m about to start a piece of architectural criticism, my preoccupation does not lie exclusively with the object at hand, but also with how to construct the text itself as an autonomous, self-sufficient, innovative piece of writing.

Este é o inicio de um novo ensaio sobre escrita arquitectónica, que acabei de enviar para publicação na revista austríaca GAM#11 – Archiscripts. É uma peça confessional e autoanalítica onde defendo que a escrita sobre a arquitectura deve construir a sua autonomia contra a autonomia da disciplina arquitectónica.

O tema não é novo, mas nunca é demais reivindicar a não-subserviência. O que eu não digo nesse texto é que a sobrevivência da escrita sobre arquitectura pode depender, em última instância, da sua libertação de um objecto que, sem querer generalizar, está a passar por uma fase muito pouco estimulante.

Enquanto o mundo em geral se revela sempre mais igual a si próprio – com guerras fraticidas, crises de saúde e vagas de mortos a invadir insistentemente o domínio tradicional da silly season – o mundo da arquitectura revela-se cada vez mais aborrecedor, talvez com isso anunciando a sua verdadeira insignificância.

Se o mundo da arquitectura está “nas bocas do mundo” é pelas razões erradas. Enquanto o New York Times se decide a pedir a cabeça dos arquitectos-estrela – que é o mesmo que pedir uma arquitectura que clame por menos atenção, que seja mais obediente e apagada – a única tempestade que parece atravessar o cenário arquitectónico contemporâneo é uma não-polémica.

Que Zaha Hadid tenha ou não compaixão pelos trabalhadores explorados nas obras faraónicas que vai fazendo para autocratas iluminados, parece ser uma questão bastante irrelevante para os destinos da disciplina arquitectónica. Que a diva processe judicialmente um crítico que lhe ousou fazer frente é ainda mais mesquinho e insignificante. Mas gera conversa.

DameZahaZaha Hadid, fotografada por Steve Double, via Compass.

Por outro lado, é significativo – mas igualmente menor – que a última celeuma verdadeiramente arquitectónica tenha partido do sócio e porta-voz de Hadid, Patrick Schumacher. Como aludi no meu texto para Homeland (a representação portuguesa numa Bienal de Arquitectura de Veneza que também falhou gerar repercussões), a diatribe de Schumacher em prol da forma arquitectónica sem conteúdo (ético, conceptual, ou outro) é tão destituída de inteligência que só sublinha o enorme vazio que se instalou no campo.

Ou eu estou extremamente desatento e desinformado, ou não se passa mesmo nada de importante na arena arquitectónica, usualmente tão sanguinária e suculenta. Mesmo se ainda mandam umas bocas, as velhas vozes que gostavam de jogar o jogo da autoridade cansaram-se e calaram-se; os críticos mais lidos adoptaram causas sociais e beneméritas absolutamente anódinas; as revistas académicas balbuciam para uma audiência inexistente; a web debita obedientemente um maintsream cada vez mais igual a si próprio.

Lembra-me a frase de uma ex-namorada anglófila: I’m bored, I’m the chairman of the bored.

Em desespero de causa, subscrevi uma nova newsletter, que em vez dos press-releases a que nos habituámos nos mais populares meios arquitectónicos da internet, coleciona resumos de artigos de revistas e jornais. Mas mesmo a ArchNewsNow parece manifestar, ainda mais veementemente, como o discurso crítico que por aí anda é bastante inofensivo e inconsequente.

Conselhos sobre como evitar a etiqueta de “greenwashing” para arquitectos que ainda não perceberam que a “resiliência” já há algum tempo substituiu a “sustentabilidade” (obviamente apenas enquanto termo a não esquecer nas suas apresentações powerpoint), não soa propriamente a um avanço crucial no território do conhecimento arquitectónico.

Inventar o termo “goodwashing” para classificar a última viragem relevante do campo arquitectónico pode ser espirituoso e cool, mas não parece corresponder a mais do que chover no molhado do ano passado. Mas sempre é mais sólido do que voltar à velhíssima história do fachadismo, ou discutir a ideia peregrina, mas porventura sarcástica, de começar a desenhar as nossas cidades para as crianças. Não o fazemos já?

Talvez o problema desta newsletter seja a sua focalização no mundo anglo-saxónico, mesmo se este é o único em que a arquitectura tem uma presença regular nos media generalistas. Porém, como tenho dito a quem me quer ouvir, o mundo anglo-saxónico é também aquele no qual, com mais virulência, se pode adivinhar a morte da arquitectura por doses venenosas de tédio.

Nova Iorque, por exemplo, é suposto ser uma cidade excitante. Isso implicaria uma certa vibração nos seus meios criativos. E, no entanto, é difícil vislumbrar qualquer aspecto inovador na cena arquitectónica local.

Afundados em dívidas escolares e na inevitabilidade de fazer do dinheiro a sua única prioridade, os arquitectos nova-iorquinos ou americanos não podem senão aspirar a integrar o mais depressa possível as fileiras de uma produção corporativa absolutamente deprimente.

Talvez por isso, na exposição de novas aquisições de arquitectura contemporânea que recentemente inaugurei no MoMA apenas três equipas de arquitectos são de Nova Iorque e, entre esses, apenas um deles, os MOS Architects de Michael Meredith e Hilary Sample, são verdadeiramente um produto do sistema americano. Os outros são europeus ou asiáticos a procurar sobreviver num contexto global.

CoSEsq.: Vídeos de MOS Architects em Conceptions of Space, MoMA, 2014.

Enquanto jovens, os arquitectos americanos bem podem ambicionar mostrar uma veia experimental – como, de resto, já escrevi sobre o concurso de talento emergente que o MoMA e o MoMAPs1 promovem aualmente, o Young Architects Program. Porém, essa aptidão para a inovação cedo se reduz a práticas tendencialmente artísticas, como são um bom exemplo os Snarkitecture ou os Bittertang – ou depressa é engolida por uma realidade tecnocrata avassaladora.

Por comparação aos Estados Unidos, a arquitectura europeia no seu conjunto parece um paraíso fervilhante de ideias e novas tendências. Mesmo com crise e perspectivas de não-crescimento, ainda é aí que primeiro emerge alguma rebeldia – como sugere uma nova e inesperada série televisiva da Al Jazeera.

Tudo isto para dizer que, porventura, há momentos que, que por força das circunstâncias, sinto que mais valia ficar calado… e não escrever. Mas talvez esse seja justamente o momento em que é necessário (voltar a) escrever.

Tudo isto para dizer, também, que já me cheira que mesmo um projecto como Uneven Growth, com o tema quente que propõe a debate e a plataforma de divulgação de que dispõe para tal, corre o risco de cair em saco roto.

MoMA_Uneven Growth_cover_cut copySneak-preview de Uneven Growth, The Museum of Modern Art, New York.

Numa situação “normal,” o catálogo de Uneven Growth, que acabou de partir para uma tipografia na Turquia, deveria gerar ondas. Com os seus ensaios por vozes incontornáveis como as de David Harvey, Sakia Sassen, Ricky Burdett e Teddy Cruz, ou com os seus cenários futuros para cidades cada vez mais desiguais, este livro poderia ser uma pedrada no charco.

Porém, começo a desconfiar que não, que não haverá pedrada no charco. Para gerar ondas, não basta a pedrada. Também se requer que o meio repercuta a energia cinética da provocação. Neste momento, porém, as águas estão tão mortas que nem uma pedrada faz mossa.

5 responses to “On Not Writing / Sobre Não Escrever

  1. Roberto Cremascoli

    “Deep”
    Pedro,
    Dear Pedro,
    as águas estão tão mortas que nem uma pedrada faz mossa!
    Alguém se preocupa com isto?
    Bem sei que estas a referir-te exclusivamente á cultura arquitectonica
    [alem disto (arquitectura) a tua preocupação podia ser muito mais abrangente],
    ARQUITECTURA, o nosso mundo.
    As vezes não conseguimos perceber (ou não queremos) quanto podemos ser importantes, o poder que está nas nossas mãos de arquitectos, manipuladores de espaços, ao serviço da sociedade.
    LAMENTO mas hoje em dia as formas são mais importantes dos conteúdos, tudo deve ser espectacular, o “mainstream” precisa de “likes”, o silencio mete medo, o “horror vacui”, também.
    A pratica de fazer arquitectura utilizando o homem para medir o homem parece coisa do passado, tenho saudade, tenho saudade de tipos como o Manfredo Tafuri, tipos sem medo, tipos que treinavam os futuros aspirantes – praticantes para enfrentar novas criticas e “criticismos”, ele treinava para preparar um mundo melhor.
    Sobre não escrever, On Not Writing, crise passageira (a tua), espero que não aconteça. Mesmo.
    Roberto Cremascoli

  2. Roberto Cremascoli

    “Deep”Pedro, Dear Pedro, as águas estão tão mortas que nem uma pedrada faz mossa!Alguém se preocupa com isto? Bem sei que estas a referir-te exclusivamente á cultura arquitectonica [alem disto (arquitectura) a tua preocupação podia ser muito mais abrangente], ARQUITECTURA, o nosso mundo. As vezes não conseguimos perceber (ou não queremos) quanto podemos ser importantes, o poder que está nas nossas mãos de arquitectos, manipuladores de espaços, ao serviço da sociedade. LAMENTO mas hoje em dia as formas são mais importantes dos conteúdos, tudo deve ser espectacular, o “mainstream” precisa de “likes”, o silencio mete medo, o “horror vacui”, também. A pratica de fazer arquitectura utilizando o homem para medir o homem parece coisa do passado, tenho saudade, tenho saudade de tipos como o Manfredo Tafuri, tipos sem medo, tipos que treinavam os futuros aspirantes – praticantes para enfrentar novas criticas e “criticismos”, ele treinava para preparar um mundo melhor. Sobre não escrever, On Not Writing, crise passageira (a tua), espero que não aconteça. Mesmo. Roberto Cremascoli

    rC ROBERTO CREMASCOLI http://www.corarquitectos.comwww.remadeinportugal.ptwww.portopoetic.comwww.facebook.com/CREMASCOLI.OKUMURA.RODRIGUESwww.facebook.com/cor.expowww.facebook.com/remade.pt

    Date: Fri, 29 Aug 2014 12:03:37 +0000 To: robertocremascoli@hotmail.com

  3. Hi Pedro,

    I am a student from Toronto, Ontario currently working on my thesis for my Master of Architecture. My thesis focuses on politics, architecture, and the urban poor. I noticed you were the curator for the 9 + 1 Ways of Being Political: 50 Years of Political Stances in Architecture and Urban Design. I am visiting New York this weekend to see Uneven Growth: Tactical Urbanisms for Expanding Megacities, but I was wondering if it was possible to meet for coffee to ask you about 9 + 1 Ways of Being Political. I know it is last minute, I only found out about 9 + 1 Ways yesterday. I thought, it’s worth trying to contact you and maybe you would be available! I would love to hear from you,

    Thank you so much for your time,
    Ashley Adams

  4. Pedro bem sei que não precisa de “Likes” mas se assim fosse teria o meu.
    Gostei imenso deste post.
    Margarida

  5. Pingback: Them or Us: Matters of Concern | shrapnel contemporary

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